Quando a bola estava longe, a sua presença lembrava mais a de um velho sábio africano, cansado das duras batalhas. Quando a bola ou os adversários invadiam, por alto ou pela terra, a sua área, ai ele virava pantera ou gato negro, felino, com uns reflexos espantosos, voando para as chamadas defesas impossíveis. Jogou entre os anos 60 e 70 (Farense, Varzim, Leixões...) e era... o melhor guarda redes do mundo!
Na baliza, quando a bola estava longe e dava uns passos no meio da grande área, a sua presença lembrava mais a de um velho sábio africano, cansado das duras batalhas que travara no passado, do que a de um felino voador. Não sei se esta imagem balzaquiana me ocupa a mente devido a só o ter visto, com olhos de ver, já na fase terminal da sua carreira, as ultimas quatro-cinco épocas, mas a verdade é que, logo por cima dessa imagem, se sobrepõe outra, muito mais forte, que emerge quando recordo a sua reacção quando a bola surgia na sua área, por alto ou com avançados isolados ávidos por o fuzilar. Aí, o gigante Benje, virava gato negro, felino, voador, com uns reflexos espantosos, executando, com eficácia e beleza estonteante, as chamadas defesas impossíveis. Por ser negro, algo ainda hoje pouco comum, nos guarda redes que jogam na Europa, todo aquele aparato tinha ainda uma maior dose de magia feiticeira, como se fosse dono de qualquer segredo africano. Mesclava o inestético com o espectacular e criava um estilo único e deslumbrante. Como fez quase todas a sua carreira por clubes ditos pequenos (Varzim, Farense, Leixões...) daqueles que jogam para não descer de divisão, num tempo em que as diferenças entre as equipas em Portugal era gigantesca, as suas sucessivas grandes exibições adquiriam contornos verdadeiramente épicos. (...)
Benje pertence, indubitavelmente, ao universo mágico do futebol português, num tempo em que o império ia do Minho até Timor, ele era, vindo de Angola, como um símbolo desses enorme legado ultramarino que tantas glórias e grandes jogadores, brincas na areia, engraçados e fenómenos, deu ao nosso futebol. A última vez que ouvi falar dele foi, salvo erro, em 2001. Era então funcionário fiscal da Câmara Municipal de Faro, onde se radicara finda a carreira. A beleza do seu estilo pode ser, em parte, apreciada na foto que encabeça este artigo, datada de 1973, num jogo contra o Benfica no velho Estádio da Luz, quando, defendendo as redes do Farense, voou, destemido, para roubar a bola dos pés do ponta de lança do Benfica chamado... Artur Jorge. O homem que melhor definiu a categoria de Benje foi, no entanto, um famoso e precursor treinador que marcou uma época no nosso futebol, pelo sua juventude irreverente, discurso diferente, caustico e que, ainda hoje, estaria muito á frente da maioria dos treinadores que ocupam os bancos da Super Liga. Era Joaquim Meirim e a história sucedeu quando treinava o Varzim, no inicio dos anos 70, e o guarda redes suplente (confesso que não me lembro o nome) andava sempre muito chateado porque nunca jogava. Nem um minuto sequer. Foi então que Meirim, para o moralizar lhe disse para estar tranquilo, que a sua hora iria chegar, pois ele era...o melhor guarda redes da Europa. O “keeper” suplente abriu os olhos de espanto. Se era assim, então porque não estava a jogar? Simples: porque o titular, Benje, era o melhor guarda redes do... mundo! Palavra de mestre Meirim.
Imagens e Textos de Luis Freitas Lobo In Planeta do FutebolPara muitos dos que porventura lêem este artigo, tais memórias passam-nos um pouco ao lado, mas é com gozo que verificamos o reconhecimento público de Luís Freitas Lobo, a um dos melhores atletas da história do SC Farense. Agora noutras funções, Pedro Benje serve o Clube com toda a dignidade e profissionalismo, quiçá menos falado que outros dada a sua sobriedade... Mas a verdade é que ele é também a mística do nosso Clube, sempre ao dispôr dos novos jogadores que nos vão chegando e que a queiram receber. Força Farense!
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